sábado, 22 de outubro de 2011

A chuva cai, fina e fria. O vento corre e nada sussurra, as folhas farfalham secamente sob os pés. Inverno. Violentamente maculam pensamentos, morrem versos, derrapam as cinzas de sua estrofe, enterradas num sepulcro, neste reino em pleno inverno.
Ela está nua, do corpo frio as lágrimas vêm quentes, brasas como seu coração, aquele que anseia o gelo e a neblina, mas nunca sentirá calor no estio. O frio vem a sentir, não a incorporar.
Nua... Nunca com lábios vendados, prendendo suas palavras na garganta.. Ela está nua, a língua cortada, os dentes gelados. Em meio á duzentos rostos que antes julgava conhecer.
A chuva pára, o sol renasce, e a chuva volta... Continua nua, continua frio.
Ela te ama tanto, ela te quer, e ela chora... A chuva mata, a chuva volta... Mas ela não morre, ela não quer morrer...
Nua, o sangue verte o peito ás brasas secas... Continua nua... Continua frio...

Sarah Schmorantz

21 de outubro de 2011

domingo, 25 de setembro de 2011

Clarice

Uma sensação boa... Aquele sentimento de refresco farfalhando em sintonia com o vento. O sol morno que espargia pintando as ruas paulistas, tudo parecia moldado no mesmo compasse, o mesmo requinto. Emanava a essência da chuva, a terra úmida, o ar ligeiramente frio, as esquinas matizadas. Um sorriso encarnou meus lábios e todo o brilho do céu acetinado se recolheu em meus olhos. Girei com os braços abertos, desejando abraçar a cidade. Meus cabelos adejavam numa serenidade peculiar, as cores ofuscavam os fastigiosos edifícios e um grito rubro e quente ecoava silencioso de dentro para fora, se mesclando ás brisas.
Eu estava feliz. Evidentemente feliz. Um sorriso prazeroso se fez ouvir da alma, de dentro, expelindo para fora e entoando como um eco ao céu. Um canto de colibri que partiu no horizonte, os bulícios das flores silvestres e o aroma das laranjeiras. E o vento veio me enternecer, me saciar com aquele ar abarrotado de sonhos, os meus dedos prendiam pedaços de uma estrela. A aragem fresca corria abastecendo a cidade em novas cores, novos sentidos, novas palavras. Preenchendo um ócio paliado das madrugadas de insônia. Uma risada ligeiramente ingênua se alegou entre meus dentes, como uma criança que brinca escondida entre arbustos. Era como uma fase pueril reconhecendo as vontades, os anelos. E era isso que eu era, uma criança... Uma criança perdida e momentaneamente alegre. Que agora contemplava os cenários e as ruas frias, analisava as vitrines e desejava ser única.
Abobada, alucinada, infantil... Desesperadamente apaixonada, o sabor de um beijo guardado na boca, um perfume masculino pairando e pulsando em meu corpo... Meu corpo aceso. Inteiramente aceso. Ai, eu era tão boba! E eu ria... Ria em meio ao tráfego atroador do meio urbano, vendo sentido e lendo os significados mais místicos que meu âmago agora conseguia traduzir. Meu Deus, eu parecia uma petiz abobalhada! Tão errada, tão errante, tão enamorada, tão poeta, tão sonhadora. Tão Clarice... Quem seria aquela menina sorrindo numa robustez tão almejada, em meio á duzentos rostos desconhecidos e olhando um pedaço luzente do céu? Não tinha nada para questionar... Nada para julgar... Era apenas Clarice. Uma menina, uma aprendiz... Não era aquela que outrora chorava e sangrava a cada noite, não era aquela sem um pai de verdade, sem amigos, e meio fumante... Quanta dificuldade em ampliar o olhar e ver que era só a Clarice! Sem nada a definir, sem nada para identificar, nada á declarar, sem características á atribuir. Era apenas Clarice.

Sarah Schmorantz

terça-feira, 8 de março de 2011

Eu não preciso de você,
Eu não preciso de você,
Eu não preciso de você,

Talvez seja você a dor,
A dor que envenena minhas véias,
Congelando-as como os granizos que se aglomeram em minha triste janela,
Que esse afeto morra em seus olhos, e recupere essas lágrimas

Mancham seus dentes o álveo do meu sangue,
pétalas de amor aqui perece
Escorrem em meus pulsos,
Dimanando a dor que sobe,
A dor que desce,
Direto ao coração

Você derrete em meus sonhos como tempo em espiral,
Escada de púrpura,
E estrelas mortas no assoalho

Dilacere os sentimentos que de mim arrancastes,
Beba esta chaga que verte do cálice dourado,
Penetre com tuas lâminas meus anelos,

Mata-me por dentro
Rasga-me por fora
Que isso morra em seus olhos,
Eu não preciso dessa dor,
Eu não preciso de você

Sarah Schmorantz

terça-feira, 25 de janeiro de 2011



As mais pulcras rosas dimanam de teu sangue ainda morno; As mais belas estrelas exprimem toda a castidade que deixaste antes de partir. Se algum dia, adorável anjo, houver em ti um eco de saudades, aloje-se em meus braços e repouse em meu peito o teu corpo brando. Suspire, que eu estarei descansando sob teus serenos auspícios assim como estiveste sob a minha égide enquanto no mundo infame sofria e clamava.
Tua voz melíflua ressoa timidamente em meus negrumes, adoçando a cor dos lírios, me fazem olvidar a treva glacial por meus martírios e, ao me encobrir com o farpado gelo do féretro, minha boca ainda clama dolorosamente o nome do rubro quente assim como clamam entre agruras o gosto terno dos teus lábios vermelhos.
Se ao menos eu pudesse beijá-la só mais uma vez, ou então me aninhar em seu pescoço e inalar o jasmim do teu perfume. Serenamente teu sangue doce e rascante me corre pela garganta, mesmo nunca ingerido, sequer no palato fixado. Nunca ousei bebê-la, amada, pois em teus olhos genuínos eu via cativado o mais possante e indecifrável afeto. Tua face não está pálida, por que continua tão enrubescida? E seus lábios? Por que perderam toda a leveza do encarnado? E por que ainda está perceptível o odor dos seus cabelos?
Você me faz falta, doce menininha. Minha menininha. Onde estás agora? Onde está dardejando seus encantos? Estás perdida nesse céu chamejante entre as nuvens de pluma? Cantarolando suas admiráveis melodias ou recitando seus belos poemas? Eu poderia bebê-la só para mantê-la dentro de mim, tingindo meus lábios frios com o fervor de teu vinho, apenas para acorrentá-la eternamente a minha alma, para torná-la propriedade exclusiva minha e de mais ninguém. Ser minha. Mas eu sei que jamais ousaria feri-la. Isso é tão indecifrável... Queria que me explicasses com tuas filosofias avançadas toda essa explosão de dor, de sede e de amor que me corrói como um glacial incêndio. Explica-me, meu amor, qual é a razão disso? Tu sabes que eu jamais me atreveria a machucá-la, como também sabes do imensurável desejo que eu tinha em trazê-la para mim. Sempre a respeitei, mas agora... por que foste embora? Por que se esgueiraste através do céu macio e me deixaste preso no cárcere das trevas?
Da minha mais profunda chaga verte o sangue frio e inunda meus olhos. E assim deslizam os açoitados filetes de púrpura aglomerando-se em minhas pestanas. E então, genuína princesa, ao cair da noite, depois de tanto matar e saciar minha sede, e matar a mim mesmo a cada gota candenta, eu repouso em minha tumba. O vento fresco da alvorada unge-me as pálpebras violáceas. Desejo sempre sonhar. Sonhar sonhos serenos como a primavera enleada ao consternado outono, e que você neles esteja, afogando-me no mar plácido de teus olhos. E que tu venhas, neste colossal inverno, com teus esplendorosos louros cabelos e tuas níveas e intrínsecas asas concedidas pelos mais potentes Serafins.
Quero que me ensines, minha pequena, o verdadeiro sentido que traz as mais ternas camélias, o calor que dispersa e incide sobre os desnudos troncos dessa sibilina madrugada. O significado que traz o murmúrio das ondas que se alastram pela tisnada areia, o cheiro das frescas tulipas que me evocam teu beijo.
As folhas secas, mortas, laceram-se sob meus sapatos negros enquanto deambulo através das lápides seguindo ao encontro de teu enregelado túmulo. Sibilam os ventos e as corujas no martírio profundo dessa necrópole onde agora descansas.
“Aqui lhe trago, minha doce e pequenina Ofélia, as rosas azuis. Tuas preferidas’’. Digo-lhe em surdina. Pouso as flores diante de teu ancorado sepulcro.
Não vejo mais as estrelas. Aonde foram? Levou-as junto contigo? Estarão somente em teus olhos de safira? Oh, funestas estrelas, arrebataram-me o alento. O refrigério da luz do luar dissipa amarguradamente entre a relva árida.
Ah, mas você está aqui comigo, posso sentir teus suspiros, meu amor. Seu hálito e seu calor. As melodias brandas que destacam sua voz, seu perfume angelical. Suas mãos ávidas em meus cabelos longos. Posso ainda ver seus dedos róseos pousando nas teclas de marfim do negro piano.
Cruza o céu uma ave de rapina.
Embriaga-me com tuas apaixonadas palavras, com tuas lágrimas doces, tenra pele e sorriso ofuscante.
Que sejas minha, anjo mais belo, apesar de correr livre por entre as plantas de ornato de um jardim inalcançável. Minha, apesar de tudo.
Que sejas a rosa, o deleite, a esperança e quem me ampara; e que me faças seguir a tenebrosa senda onde a luz perdeu a utilidade e os últimos suspiros ecoam perdidos no gelo dos ares.
Que continues sendo minha, princesa da neve, do gelo e do fogo. Que permaneça minha, apenas minha.

Charles O’hanoly.


Sarah Schmorantz

domingo, 3 de outubro de 2010

Anjo e chuva



O céu estava desvanecido, de algum lugar ressoava o barulho de cascata, o vento vinha invasivo ao meu encontro, esvoaçando o vestido branco tão leve que trajava meu corpo. Meus cabelos chicoteavam no ar, e imagens desconexas eclodiam em meio aos meus olhos atordoados.
Meus pés descalços tocaram ás pedras frias que formavam uma escada. Era de alvenaria.
Tudo tão escuro...
Por um dédalo eu percorria, e de algum canto originou-se uma melodia de violino. Eu podia ouvir. A suavidade, a delicadeza, o primor...
Exausta desabei sobre as pedras brutas, e permiti-me deitar sobre aquele piso tão áspero. Gotas de chuva me vieram ao rosto, e logo resvalavam pelos traços de minha fisionomia. Tudo estava abrangido pela sibilina negridão.
Nada meus olhos visualizavam.
Em questão de minutos, uma mão quente com leveza pousou em meu ombro... Eram mãos de anjo?
- Todos nós vamos morrer... – Murmurei.
- Logo nossos olhos verão as verdadeiras migalhas do que hoje chamamos de céu. – Completou a voz desconhecida.
Braços me envolveram a cintura. Um corpo quente encostou-se ao meu que tão pálido e gélido estava. Lábios tocaram minhas costas, e os beijos trilhavam minha pele.
Eu não pude ver seu semblante.
- O mundo vai acabar em questão de segundos... – Sussurrou ele, ao pé do ouvido. – Mas eu estarei com você.
Encolhi-me em seu colo... Fechei meus olhos.
O trovão ressoava lá fora. Era o barulho da treva que ecoava, como um monstro em um conto que me vinha buscar.
Mas estava lá o meu Serafim alado do céu, envolvendo-me, dividindo comigo o calor que trazia seus braços... E cantarolava em surdina... Numa chama de paz.

domingo, 15 de agosto de 2010

Desconexos

Atordoada tornou-se minha mente,
Pertubada e desvairada,
Pelas razões insensatas
Que como brisas me vem a tocar;

Somente sei,
Que nada esclarecerei,
O múrmurio do mar me silencia,
O plágio da melodia instiga o cerrar dos meus olhos.
Olvidando o desespero em que meu pensamento desabou.

A olência do sangue e da terra,
das rosas e das camélias,
Da chuva e do vinho,
Os retalhos da alma,
Lâminas do viver,
O amargor do veneno semelhante a uva verde;

Bailarinas e sapatilhas
Piano e fulgência
Cereja entre os dentes,
Fração de segundos,
Se vai devaneios...

Sarah Schmorantz

domingo, 8 de agosto de 2010

Encantos





Profundamente podiamos sentir aquela explosão de sentimentos que do nosso beijo originaram-se, permitindo a paixão nos abranger e inebriar com todo o encanto e formosura, porque a agrura poder não teve sobre dois corações que pulavam freneticamente na mesma melodia.
O encantado ósculo findou-se num selo prolongado, antecendendo o término. Seu sabor doce impregnado ficou em meus lábios.
Ainda de olhos cerrados, meus dedos procuraram seu rosto, afim de acarinhá-lo. Sua pele estava quente, assim como estava seu beijo enlevado.
Como uma gota de pergume, um pingo de tinta colorida, do meu coração embargado uma rosa timidamente era aflorada.
Viva... Eu me senti viva...

Sarah Schmorantz