domingo, 25 de setembro de 2011

Clarice

Uma sensação boa... Aquele sentimento de refresco farfalhando em sintonia com o vento. O sol morno que espargia pintando as ruas paulistas, tudo parecia moldado no mesmo compasse, o mesmo requinto. Emanava a essência da chuva, a terra úmida, o ar ligeiramente frio, as esquinas matizadas. Um sorriso encarnou meus lábios e todo o brilho do céu acetinado se recolheu em meus olhos. Girei com os braços abertos, desejando abraçar a cidade. Meus cabelos adejavam numa serenidade peculiar, as cores ofuscavam os fastigiosos edifícios e um grito rubro e quente ecoava silencioso de dentro para fora, se mesclando ás brisas.
Eu estava feliz. Evidentemente feliz. Um sorriso prazeroso se fez ouvir da alma, de dentro, expelindo para fora e entoando como um eco ao céu. Um canto de colibri que partiu no horizonte, os bulícios das flores silvestres e o aroma das laranjeiras. E o vento veio me enternecer, me saciar com aquele ar abarrotado de sonhos, os meus dedos prendiam pedaços de uma estrela. A aragem fresca corria abastecendo a cidade em novas cores, novos sentidos, novas palavras. Preenchendo um ócio paliado das madrugadas de insônia. Uma risada ligeiramente ingênua se alegou entre meus dentes, como uma criança que brinca escondida entre arbustos. Era como uma fase pueril reconhecendo as vontades, os anelos. E era isso que eu era, uma criança... Uma criança perdida e momentaneamente alegre. Que agora contemplava os cenários e as ruas frias, analisava as vitrines e desejava ser única.
Abobada, alucinada, infantil... Desesperadamente apaixonada, o sabor de um beijo guardado na boca, um perfume masculino pairando e pulsando em meu corpo... Meu corpo aceso. Inteiramente aceso. Ai, eu era tão boba! E eu ria... Ria em meio ao tráfego atroador do meio urbano, vendo sentido e lendo os significados mais místicos que meu âmago agora conseguia traduzir. Meu Deus, eu parecia uma petiz abobalhada! Tão errada, tão errante, tão enamorada, tão poeta, tão sonhadora. Tão Clarice... Quem seria aquela menina sorrindo numa robustez tão almejada, em meio á duzentos rostos desconhecidos e olhando um pedaço luzente do céu? Não tinha nada para questionar... Nada para julgar... Era apenas Clarice. Uma menina, uma aprendiz... Não era aquela que outrora chorava e sangrava a cada noite, não era aquela sem um pai de verdade, sem amigos, e meio fumante... Quanta dificuldade em ampliar o olhar e ver que era só a Clarice! Sem nada a definir, sem nada para identificar, nada á declarar, sem características á atribuir. Era apenas Clarice.

Sarah Schmorantz

Nenhum comentário: