terça-feira, 25 de janeiro de 2011



As mais pulcras rosas dimanam de teu sangue ainda morno; As mais belas estrelas exprimem toda a castidade que deixaste antes de partir. Se algum dia, adorável anjo, houver em ti um eco de saudades, aloje-se em meus braços e repouse em meu peito o teu corpo brando. Suspire, que eu estarei descansando sob teus serenos auspícios assim como estiveste sob a minha égide enquanto no mundo infame sofria e clamava.
Tua voz melíflua ressoa timidamente em meus negrumes, adoçando a cor dos lírios, me fazem olvidar a treva glacial por meus martírios e, ao me encobrir com o farpado gelo do féretro, minha boca ainda clama dolorosamente o nome do rubro quente assim como clamam entre agruras o gosto terno dos teus lábios vermelhos.
Se ao menos eu pudesse beijá-la só mais uma vez, ou então me aninhar em seu pescoço e inalar o jasmim do teu perfume. Serenamente teu sangue doce e rascante me corre pela garganta, mesmo nunca ingerido, sequer no palato fixado. Nunca ousei bebê-la, amada, pois em teus olhos genuínos eu via cativado o mais possante e indecifrável afeto. Tua face não está pálida, por que continua tão enrubescida? E seus lábios? Por que perderam toda a leveza do encarnado? E por que ainda está perceptível o odor dos seus cabelos?
Você me faz falta, doce menininha. Minha menininha. Onde estás agora? Onde está dardejando seus encantos? Estás perdida nesse céu chamejante entre as nuvens de pluma? Cantarolando suas admiráveis melodias ou recitando seus belos poemas? Eu poderia bebê-la só para mantê-la dentro de mim, tingindo meus lábios frios com o fervor de teu vinho, apenas para acorrentá-la eternamente a minha alma, para torná-la propriedade exclusiva minha e de mais ninguém. Ser minha. Mas eu sei que jamais ousaria feri-la. Isso é tão indecifrável... Queria que me explicasses com tuas filosofias avançadas toda essa explosão de dor, de sede e de amor que me corrói como um glacial incêndio. Explica-me, meu amor, qual é a razão disso? Tu sabes que eu jamais me atreveria a machucá-la, como também sabes do imensurável desejo que eu tinha em trazê-la para mim. Sempre a respeitei, mas agora... por que foste embora? Por que se esgueiraste através do céu macio e me deixaste preso no cárcere das trevas?
Da minha mais profunda chaga verte o sangue frio e inunda meus olhos. E assim deslizam os açoitados filetes de púrpura aglomerando-se em minhas pestanas. E então, genuína princesa, ao cair da noite, depois de tanto matar e saciar minha sede, e matar a mim mesmo a cada gota candenta, eu repouso em minha tumba. O vento fresco da alvorada unge-me as pálpebras violáceas. Desejo sempre sonhar. Sonhar sonhos serenos como a primavera enleada ao consternado outono, e que você neles esteja, afogando-me no mar plácido de teus olhos. E que tu venhas, neste colossal inverno, com teus esplendorosos louros cabelos e tuas níveas e intrínsecas asas concedidas pelos mais potentes Serafins.
Quero que me ensines, minha pequena, o verdadeiro sentido que traz as mais ternas camélias, o calor que dispersa e incide sobre os desnudos troncos dessa sibilina madrugada. O significado que traz o murmúrio das ondas que se alastram pela tisnada areia, o cheiro das frescas tulipas que me evocam teu beijo.
As folhas secas, mortas, laceram-se sob meus sapatos negros enquanto deambulo através das lápides seguindo ao encontro de teu enregelado túmulo. Sibilam os ventos e as corujas no martírio profundo dessa necrópole onde agora descansas.
“Aqui lhe trago, minha doce e pequenina Ofélia, as rosas azuis. Tuas preferidas’’. Digo-lhe em surdina. Pouso as flores diante de teu ancorado sepulcro.
Não vejo mais as estrelas. Aonde foram? Levou-as junto contigo? Estarão somente em teus olhos de safira? Oh, funestas estrelas, arrebataram-me o alento. O refrigério da luz do luar dissipa amarguradamente entre a relva árida.
Ah, mas você está aqui comigo, posso sentir teus suspiros, meu amor. Seu hálito e seu calor. As melodias brandas que destacam sua voz, seu perfume angelical. Suas mãos ávidas em meus cabelos longos. Posso ainda ver seus dedos róseos pousando nas teclas de marfim do negro piano.
Cruza o céu uma ave de rapina.
Embriaga-me com tuas apaixonadas palavras, com tuas lágrimas doces, tenra pele e sorriso ofuscante.
Que sejas minha, anjo mais belo, apesar de correr livre por entre as plantas de ornato de um jardim inalcançável. Minha, apesar de tudo.
Que sejas a rosa, o deleite, a esperança e quem me ampara; e que me faças seguir a tenebrosa senda onde a luz perdeu a utilidade e os últimos suspiros ecoam perdidos no gelo dos ares.
Que continues sendo minha, princesa da neve, do gelo e do fogo. Que permaneça minha, apenas minha.

Charles O’hanoly.


Sarah Schmorantz